História do Telescópio nº12

No último número vimos como o progresso dos telescópios reflectores foi tão grande em meados do século XVIII, para mais tendo passado a ser possível a instalação de micrómetros, que dava a impressão de que os refractores tinham os dias contados, pois para a mesma qualidade de imagens eram necessárias dimensões enormes (dezenas de metros). O problema dos refractores era devido às aberrações cromática e esférica. Como para as minimizar tinham de ser usadas lentes de fraca convexidade, havia que os alongar.

Como em muitas outras circunstâncias, uma afirmação dum homem de grande prestígio pode impedir o progresso, pelo menos durante algum tempo. Ninguém terá dúvidas em relação ao prestígio de Isaac Newton. As suas descobertas na dispersão da luz através dum prisma de vidro e especialmente da sua lei da gravitação universal (1687), faziam com que todas as suas afirmações fossem tomadas como indiscutíveis. Ora Newton afirmara que era impossível suprimir a aberração cromática, pois esta era inerente à dispersão da luz branca.

Apesar de tudo houve quem o fizesse. O matemático escocês David Gregory (1661-1708), sobrinho do inventor do telescópio gregoriano, fez notar que o olho possui uma lente (o cristalino) e não se nota aquela aberração. Na realidade a luz não se refracta só no cristalino, mas também na córnea e dos diversos fluidos intra-oculares. Afirmava que a aberração de cada um dos elementos anulava a dos outros. Esta ideia, apesar de errada, abria as portas a inovações.

O que Newton não tinha reparado é que os diferentes tipos de vidro ocasionam diferentes graus de dispersão da luz. Ao ser-lhe dada essa informação, rejeitou-a. E se ele o fazia, todos tinham de o seguir...

Vamos fazer uma experiência conceptual. Para isso vamos dar pequenos passos:

1º Imaginemos que temos uma lente (A) convexa (convergente, ou seja, que faz convergir a luz num foco) e uma (B) côncava (divergente, pois faz divergir a luz) e que ambas têm a mesma graduação. Se as combinarmos a convergência duma anula a divergência da outra e tudo resulta como se a luz atravessasse uma lente neutra (sem graduação). Aliás esta é uma forma de medir a graduação duma lente, pois ao verificarmos qual a lente (cuja graduação é conhecida) que anula o efeito da primeira, sabemos a desta (é a mesma, mas de sinal contrário).

2ª De seguida vamos considerar que a côncava tem menos poder que a convexa. Ao combiná-las teríamos um efeito de convergência, tal como com a convexa isolada, mas naturalmente de menor intensidade.

3º Vejamos agora o que aconteceria se, para a mesma potência, a lente convexa tivesse uma dispersão menor e a côncava uma dispersão elevada.

4º Ao fazermos a combinação de ambas, mas de novo com a convexa mais potente do que a côncava (como na segunda hipótese) resultaria que esta, mesmo apenas anulando um pouco o efeito refractivo da convexa, seria suficientemente eficaz para lhe anular a aberração cromática, dada a sua maior dispersão.

Foi um advogado e matemático inglês, amante da óptica, Chester Moor Hall (1703-1771), quem descobriu que o vidro "flintglas" que contém compostos de chumbo, tinha uma dispersão muito maior do que o vulgar vidro de janela. Ao fazer a combinação referida obteve a primeira lente "acromática". Aplicado na prática aos telescópios permitia inserir-lhes lentes de muito maior convexidade e por consequência reduzir-lhes o comprimento.

Hall pretendia que a sua ideia ficasse em segredo. Para tal encomendou a lente convexa a uma fábrica e a côncava a outra. Quando estas fábricas estavam sobrecarregadas de trabalho era frequente subcontratarem outra fábrica de menor importância. Curiosamente ambas as fábricas estavam nessa situação, pelo que delegaram a encomenda de Hall. E numa estranha coincidência ambas os deram ao mesmo...

Hall ainda fez o seu refractor de 65 mm de diâmetro e 500 mm de comprimento, mas o seu segredo estava nos ouvidos dos ópticos de então. Um deles, John Dollond, fez múltiplas experiências e estabeleceu de forma completa a base teórica desse género de lentes e com os mesmos tipos de vidro utilizados por Hall começou a produzir industrialmente lentes "acromáticas".
Então e quanto à aberração esférica? Por sorte a combinação de lentes convexa+côncava também a minimizava muito, quase a zero. Os refractores voltavam à ribalta em pé de igualdade com os reflectores. Na verdade ainda não completamente como veremos no próximo número.